A maneira como gerimos as organizações está cada dia mais desatualizada.
Cada vez mais, as pesquisas têm demonstrado que a maioria dos funcionários se sentem desvinculados de suas empresas. A epidemia da desilusão organizacional vai muito além da América corporativa, mas também os professores, médicos, entre outros profissionais vêm abandonando a profissão em número recorde porque a forma como dirigimos escolas é responsável por matar vocações.
Empresas sofrem com jogos de poder, politicagem, lutas internas e burocracia, em reuniões sem fim e numa sucessão aparentemente interminável de programas de mudança e de redução de custos.
No fundo, desejamos locais de trabalho com significado, autenticidade, comunidade, paixão e propósito. E a solução, segundo muitos estudiosos, reside numa gestão mais esclarecida.
A cada dia a autogestão em empresas e organizações deixa de ser um assunto misterioso e começa a ser discutido nos corredores e escritórios. Muitos anseiam por ela e outros dizem ser impossível.
Autogestão é um conjunto de práticas organizacionais que buscam distribuir a autoridade, dando clareza de responsabilidades e o máximo de autonomia a cada integrante da organização.
O intuito do modelo é promover autonomia, igualdade e anular as hierarquias e a burocratização presentes na empresa.
O trabalho coletivo elimina a ideia de que alguém é encarregado de transmitir tarefas e outra pessoa as executa: os colaboradores, por meio de um consenso, tomam as decisões que melhor auxiliem no funcionamento e gestão da organização.
Nesse caso, as pessoas deixam de reportar a um superior, porém seguem um conjunto de regras e acordos firmados coletivamente. Esses acordos formam uma estrutura organizacional que não exige que todos tenham o mesmo poder de decisão e autoridade, apenas deixa claro como isso é feito e impede a relação de chefe-subordinado.
Tal sistema de gestão quebra um antigo paradigma no qual as decisões eram responsabilidade apenas dos níveis hierárquicos mais altos. Ela mostra que todos os funcionários possuem o potencial para decidir a melhor forma de realizar suas funções, independente do cargo ocupado.
Em um artigo publicado no The New York Times, o psicólogo estadunidense Daniel Goleman defende a autogestão como um dos passos primordiais para alcançar a inteligência emocional no trabalho e vida pessoal.
No quadro abaixo você pode observar o esquema desenvolvido pelo estudioso:
Passos para alcançar a inteligência emocional, Daniel Goleman.
Por estipular que a tomada de decisão ocorra através de um consenso, o conceito de autogestão traz além de inteligência coletiva, outros benefícios, como:
Em um estudo realizado pela Ernst and Young, uma organização autogerida chamada Buurtzorg que atua na área de saúde domiciliar, foi comparada com outras de gestão tradicional que atuam no mesmo seguimento e região. O resultado mostrou que a autogestão nesse caso conseguiu diminuir o tempo necessário para a recuperação dos pacientes atendidos em 40% em média, com um custo total abaixo do mercado.
Quando esse conceito é implementado em conjunto com outros programas motivacionais, há mais chances de elevação dos níveis de proatividade. Uma dessas técnicas é a gamificação no trabalho e sua capacidade de guiar os funcionários em direção aos objetivos organizacionais de forma mais natural.
Com essas atitudes, os funcionários se tornam mais confiantes na tomada de decisões estratégicas e até na modificação dos seus processos de trabalho. Tudo isso facilita a vida do gestor – que não precisará ficar controlando todos os passos da equipe para garantir que os objetivos organizacionais sejam alcançados.
A Buurtzorg é continuamente eleita a melhor organização para se trabalhar (organizações com mais de 1000 pessoas) na Holanda. De acordo com a Harvard Business Review, a Morning Star, uma empresa processadora de tomates que é autogerida, consegue que seus colaboradores temporários sintam-se tão donos e engajados quanto diretores e executivos de outras empresas.
A autonomia propiciada, liberdade de decisões e os sistemas de recompensas gamificadasampliam e incentivam as possibilidades das pessoas se especializarem continuamente para a manutenção dos bons resultados.
O método coloca os colaboradores no centro do aprendizado, impulsionando-os constante rumo ao desenvolvimento de suas habilidades e competências. Mas não significa que os gestores podem parar de acompanhar os indicadores de desempenho (KPIs) da equipe.
Esse processo continua sendo indispensável, pois somente por meio dele conseguimos nos certificar que a estratégia adotada está funcionando corretamente. Caso contrário, não teremos dados suficientes para comprovar tal argumento.
Para uma organização se adaptar às necessidade de um ambiente em constante mudança, ela precisa tomar decisões com mais velocidade. Em uma pesquisa realizada no departamento de tecnologia do estado de Washington, o tempo para resolver um problema durante uma reunião e tomar uma decisão, caiu 93% depois da adoção de práticas de autogestão.
Com o autogerenciamento, um funcionário não precisará esperar as coordenadas do gestor para iniciar suas atividades. Ele saberá exatamente o que, quando e como fazer. Esse processo evita a acomodação e torna a equipe menos operacional e mais estratégica.
Uma gestão de pessoas com foco estratégico é essencial para alinhar as necessidades dos funcionários com os objetivos organizacionais.
A procrastinação é o efeito de prolongar a conclusão de uma determinada tarefa durante um longo período de tempo. É quando perdemos a concentração facilmente e deixamos de dar atenção suficiente a uma atividade ou simplesmente vamos “empurrando com a barriga”.
A autogestão fará com que os colaboradores saibam exatamente onde estão perdendo a atenção e precisam se dedicar mais. Todos se sentirão motivados a evitar as armadilhas das distrações no trabalho que provocam a procrastinação.
Ou seja, ocorrerá um aumento significativo na produtividade geral da empresa!
Conforme o esquema de Goleman, o primeiro passo é reconhecer as fraquezas que prejudicam o andamento das tarefas diárias e as forças que precisam de aprimoramento. Em seguida vem a competência de autogestão e sua habilidade de controlar impulsos e atitudes ruins. Ambos os aspectos estão entrelaçados e se complementam entre si.
Pessoas autoconscientes e empoderadas não são críticas ou esperançosas demais. Suas decisões se harmonizam com seus valores e metas. Por isso, quase sempre acham seu trabalho estimulante.
Toda essa reflexão possibilitada pelo esquema de inteligência emocional de Goleman ajuda na autoavaliação de desempenho. Os colaboradores possuem os meios necessários para refletir sobre os seus erros e acertos. Dessa forma, eles conseguem definir quais competências precisam desenvolver para melhorar a produtividade.
Com essa técnica, tal processo se torna natural nas empresas e os gestores podem aplicar seus esforços em outras questões igualmente importantes.
Existem algumas habilidades que desenvolvemos quase que inconscientemente quando recebemos autonomia para tomar decisões e administrar nossos processos de trabalho. Isso ajuda no aumento da confiança, produtividade, motivação e ainda reduz o estresse.
Em situações estressantes e momentos de pressão, aumenta a probabilidade de tomada de decisões impulsivamente. Esse processo pode prejudicar até atividades mais simples. Com mais liberdade, aprendemos a enfrentar esse tipo de problema e encontrar a inteligência emocional, como disse Goleman.
A segunda habilidade exige o uso das capacidades cognitivas como mecanismos para a tomada de decisões corretas. Mesmo as tarefas e desafios mais difíceis podem ser finalizados de forma eficiente quando mantemos a concentração nos objetivos em questão e temos liberdade para propor mudanças.
A comunicação é o ponto chave no processo de autogerenciamento. Os gestores precisam se comunicar adequadamente com seus funcionários (e vice-versa), transmitindo claramente os objetivos para que não ocorram ruídos no compartilhamento das informações.
Uma das características mais importantes é a capacidade de gerenciar bem o tempo disponível no trabalho. Há uma variedade de técnicas de gestão do tempo que são extremamente úteis para aproveitar melhor o expediente, não perder prazos e ter mais controle das demandas.
Você pode utilizar planilhas de demandas, listas de tarefas, cronograma de projetos e outras diversas metodologias de administração do tempo. Uma dica é testar algumas durante a semana e verificar quais proporcionaram resultados mais positivos e interessantes.
Em um sistema em que a autonomia é priorizada, é normal que os funcionários desenvolvam seus próprios métodos para lembrar dos afazeres e compromissos. Eu utilizo bastante post-its(meu computador tem vários), e também cadastro todas minhas reuniões no calendário.
Dificilmente uma organização trabalha com um modelo de autogestão total (sem a presença de hierarquia). No entanto, existem adaptações em relação ao estilo de liderança adotado pelo gestor que aproximam a empresa desse modelo sem que ela perca suas características originais.
Introduzir ou adotar a autogestão em uma organização não é só “empoderar todos”, dizer “agora vocês têm autonomia!” ou criar um “ambiente horizontal” onde todos são considerados iguais.
Isso pode funcionar quando você tem um time de até 5 pessoas. Mas e se forem 50? Ou 9000 enfermeiras, como na Buurtzorg? Nesse caso você vai precisar de um pouquinho mais de estrutura para dar conta. Essa estrutura ajuda a distribuir a autoridade e dar agilidade aos processos de tomada de decisão.
Quanto menor a empresa ou organização, mais fácil será a adoção de práticas de autogestão, então não espere sua empresa chegar em um tamanho muito grande.
O primeiro passo deve ser dado pelos líderes. Eles precisam investir em uma liderança mais lateral e menos autoritária, priorizando sempre a autonomia de seus funcionários (sem controlá-los o tempo todo).
Em seguida, precisam seguir quatro passos básicos:
No geral, acreditamos que o caminho para uma organização que já existe adotar a autogestão passa por:
Durante a sua pesquisa detalhada no livro Reinventando as Organizações, Frederic Laloux descobriu 3 diferentes tipos de estruturas que permitem que a autogestão aconteça até em organizações maiores. Essas estruturas foram sendo desenvolvidas na prática por empresas e organizações e só foram descritas depois pelo Laloux.
Elas são:
Vamos entendê-los melhor e como cada tipo de estrutura se adéqua a diferentes contextos.
Esse tipo de estrutura surgiu quando o número de pessoas necessárias para a organização entregar valor de ponta a ponta era pequeno. Vamos olhar um exemplo já citado.
A Buurtzorg, uma organização holandesa de atendimento e enfermagem domiciliar, opera usando times autônomos de até 12 enfermeiras e enfermeiros que atendem cerca de 50 pacientes que estão localizados no mesmo bairro. O time realiza todo o trabalho de geração de valor, incluindo planejamento, agendamento das visitas, coordenação, compras, contratação, prestação do serviço e atendimento (no telefone). Não existe um call center que centraliza as ligações! Ah, e os times não possuem um “líder” ou “gerente”.
Durante o período de formação desses times, coaches especializados ensinam as pessoas a trabalharem de forma auto-organizada. As enfermeiras são treinadas em técnicas de facilitação, mediação e resolução de conflitos. Além dos mais de 700 times, existem 35 pessoas que realizam o trabalho administrativo e legal (backoffice). Fora isso, pouca coordenação é necessária entre os times.
Essa estrutura de autogestão é frequentemente usada no setor de serviços ou em organizações com cadeia de valor bem curta. Dessa forma é possível manter os times pequenos e independentes. Repare que um time não depende do outro para gerar valor, por isso esse tipo de estrutura funciona.
A Rede de Acordos Individuais foi criada pela Morning Star, uma processadora de tomates americana. Responsável por produzir 40% do molho de tomate consumido na costa leste americana, a Morning Star já opera com essa estrutura desde 1990.
O processo da Morning Star abrange desde o plantio do tomate até o seu processamento e distribuição. A cadeia de valor é extremamente longa, sendo necessário o trabalho de centenas de pessoas para que o tomate chegue até o cliente. Nesse cenário, certamente o modelo times autônomos paralelos não funcionaria.
Ao invés de definir uma estrutura departamentalizada e hierárquica, os funcionários da Morning Star estabelecem “contratos” uns com os outros que determinam responsabilidades, acordos e metas de produção. São chamados de CLOUs. Esse processo peer-to-peer cria uma rede de prestação de contas que não está centralizada em uma pessoa ou em uma cadeia de comando. Além disso, não existem gestores ou supervisores na Morning Star, afinal estamos falando de autogestão.
Outra tecnologia social normalmente presente nas organizações que operam com essa rede de acordos é o Processo do Aconselhamento. Este processo diz que qualquer pessoa da organização pode tomar qualquer decisão (incluindo a compra de uma máquina de $100.000), desde que ouça o “conselho” de todas as pessoas impactadas ou que têm conhecimento para contribuir.
Não é necessário “integrar” todas as opiniões, apenas ouvi-las.
Entre as desvantagens deste tipo está o fato dele não prever um mecanismo para mudanças estruturais. Ele geralmente é mais adequado para organizações que não sofrem tantas alterações na cadeia e no processo produtivo.
A estrutura mais flexível e adaptável descrita por Laloux é a de Círculos Aninhados. Por ser mais robusta, ela pode ser utilizada em setores onde a cadeia de valor é longa, complexa e dinâmica.
A estrutura de Círculos Aninhados é formada por círculos que se subdividem em papéis e outros círculos internos. Existem papéis de ligação que conectam as camadas e criam um canal de comunicação explícito entre o círculo interno e externo.
Parece com a estrutura hierárquica? Sim, existe uma “hierarquia de círculos”. Mas essa hierarquia é uma hierarquia de escopo de trabalho (papéis e círculos), não de cargos e pessoas. Além disso, existem regras que impedem que os círculos externos interfiram no funcionamento dos círculos internos, garantindo autogestão em toda a organização.
A grande vantagem deste tipo de estrutura é a versatilidade, e mesmo que você opte por outro caminho, aprender as práticas que são usadas aqui, pode ser útil em outros cenários e contextos.
A Zappos, gigante americana de calçados e varejo online, foi uma das maiores empresas a adotar uma estrutura de círculos aninhados até o momento, mas já temos organizações de todos os tamanhos e setores, inclusive duas do setor público.
A autogestão dos processos de trabalho é essencial para que os funcionários se tornem mais confiantes e produtivos profissionalmente.
Esta metodologia evita que a equipe se sinta sobrecarregada e pressionada em suas atividades diárias, promovendo maior tranquilidade na forma de conduzir as demandas.
Na autogestão, compromissos entre colegas de trabalho substituem relações hierárquicas. Com isso surge a oportunidade de criarmos organizações mais humanas e orientadas a um propósito. Esperamos que com esse artigo as coisas tenham ficado um pouco mais claras.
Se você ficou com alguma dúvida ou quer trazer outra perspectiva, convido você a deixar uma mensagem nos comentários abaixo.
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